O tema a neutralidade axiológica é, sem dúvida, um
assunto que levanta discussões e atrai, como uma fruta saborosa e convidativa,
os intelectuais comprometidos com um saber – aparentemente – “científico e
objetivo”. O tratamento rigoroso de determinadas questões, assim como os
elementos teórico-metodológicos, fazem parte de um repertório que busca
constantemente, a sua maneira, a utilização correta dos procedimentos
científicos com o objetivo de elaborar resultados plausíveis e, sobretudo,
objetivos. Dentro desse contexto, a figura de Max Weber é referência obrigatória,
por um lado, ao desenvolver um método específico para as ciências sociais, ou
seja, o método compreensivo e, de outro lado, por conferir legitimidade as
ciências sociais e elevá-la, diretamente, ao estatuto de ciência (Weber, 2004).
Na obra de Weber e, por conseguinte, na sua vida individual, a “neutralidade
axiológica” ou precisamente a “isenção de valores” (Wertfreiheit) assume um
papel fundamental – e, por sinal, onipresente – em seus postulados teóricos.
Do ponto de vista social e histórico, a neutralidade
axiológica é um procedimento exeqüível, em outras palavras, é possível
isentar-se dos valores construídos socialmente e elaborar, por sua vez, um
conhecimento autêntico? Em que medida e circunstâncias, a neutralidade
axiológica não passa (e limita-se) em uma utopia científica? Parafraseando o
historiador Febvre (1989), a cidade da objetividade pode, realmente, vigiar e
expulsar, de vez, o cavalo de Tróia da subjetividade? Essas questões, embora
sucintas, ajuda-nos a pensar, de fato, as características do saber científico
e, com isso, esquivar-se das armadilhas preparadas especialmente pelasociedade
capitalista e suas relações de dominação burguesa.
Para tanto, o presente estudo, em estado
propedêutico, tem como objetivo primordial analisar, sob o ponto de vista
marxista, a idéia de neutralidade axiológica segundo a perspectiva de Max
Weber. A escolha desse autor – ao invés de outros estudiosos – deve-se ao fato
de apresentar, com bastante visibilidade, as principais teorias e concepções em
relação à neutralidade axiológica e, portanto há “(...) evidências claras de
que, desde cedo, Weber acreditara ser esta uma das características essenciais do
trabalho científico.” (MATA 2010, p.264).
De início, duas questões são válidas e
esclarecedoras para nossa discussão: em primeiro lugar, é fundamental
contextualizar que a palavra “objetividade”, em contraposição a
“subjetividade”, era uma aspiração intelectual que, na época de Weber e no
campo do positivismo do século XIX, significava a independência completa dos valores
e posições de um indivíduo. Por outro lado, a palavra “objetividade” denotava, basicamente,
a análise pura de um objeto, isto é, sem intermediários. Desse modo, a compreensão
dos fenômenos sociais e políticos, em termos científicos, só teriam validade a
partir do momento que o cientista abnegasse seus valores e concepções pessoais
e, finalmente, realizasse uma análise precisa sem mediações e ideologias.
Outra questão fundamental é, ademais, o conceito de
axiologia. O que é axiologia? Para muitos, e seguindo a etimologia da palavra,
é considerada “ciência dos valores” ou, mais adiante, um ramo científico que,
para além das questões valorativas, preocupa-se em elaborar um conhecimento, por
assim dizer, objetivo. Se analisarmos a axiologia do ponto de vista prático e
não somente teórico, conclui-se, de fato, que é uma proposta de difícil
aplicação. Em outras palavras, “uma ciência dos valores é algo inexistente
(...) não passa de uma proposta que nunca se realizou (...) esta definição é marcada
por uma inocência que releva seu caráter ideológico” (VIANA, 2007, p.29).
Desse modo, deparamo-nos, ao recorrer à neutralidade
axiológica, com questões complexas e, portanto, carregada de concepções ideológicas
em que o conhecimento, assim como os valores, assume determinada autonomia – e,
não obstante, uma fetichização.
Dentro desse contexto, qual seria, aliás, a
concepção de Max Weber ao desenvolver, em seus escritos, a idéia de
neutralidade axiológica? Teria esse autor, como os demais de sua época, caído
na idéia ingênua de acreditar na neutralidade como um campo isento de qualquer
concepção ideológica ou subjetiva?Ademais, qual procedimento torna possível uma
efetiva neutralidade em que o indivíduo é capaz de produzir, a seu modo, um
conhecimento (totalmente) puro? Para responder essas questões, além de uma
análise pontual e concisa das principais idéias e procedimentos desenvolvidos
pelo respectivo autor em estudo, por fim, é necessário recorrer à própria trajetória
intelectual de Weber.
A preocupação de Weber com a objetividade nas
ciências sociais, ou mais precisamente, com as ciências da cultura, é
resultado, de um lado, do contexto históricosocial da República de Weimer na
Alemanha, instaurada logo após a I Guerra Mundial e ligado, diretamente, à
legitimação das ciências humanas num contexto marcado, sobretudo, pelas ideias
de cientificidade e a emergência de um método contingente e plausível para as
ciências humanas, já que, em decorrência da hegemonia das ciências naturais e
do positivismo, a disputa entre as duas tendências no âmbito estritamente científico
eram, de fato, conflituosas. Naquela conjuntura, e durante a existência de Weber,
em determinadas passagens de suas obras, é possível perceber, de modo categórico,
a exposição de problemas enfrentados pelas universidades alemãs, impregnadas de
ideologias, profissão de fé em relação à política e à religião. Nota-se que em
sua trajetória intelectual e teórica, a busca da neutralidade axiológica
resultou, dentre outros fatores, no abandono da Associação para a Política
Social (Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik) e, mais adiante, a
Sociedade Alemã de Sociologia, ou seja,
Frustrado com a resistência e a oposição da maior
parte de seus colegas, Weber abandona a Associação para a Política Social, não
sem antes travar longa e áspera polêmica com o grande nome da História
Econômica e líder da Associação, Gustav Schmoller. Em nome do mesmo ideal Weber
abandonaria ainda a Sociedade Alemã de Sociologia, que ele próprio ajudara a
fundar (MATA, 2010, p.263).
É, portanto, nesse contexto que Weber3 buscou
valorizar um conhecimento objetivo, longe de juízos de valores e o
comprometimento com a realidade concreta, em outras palavras, a busca pela
neutralidade científica. O título de seu trabalho A “objetividade” do
conhecimento nas ciências sociais, não é escolhido aleatoriamente, ou seja, é
interessante observar, para nossa discussão, que Weber coloca a palavra “objetividade”
entre aspas. Isso mostra, certamente, que o respectivo autor não tratará, de
forma simples, o tema da objetividade como algo dado, pronto e acabado; ao contrário,
Weber problematiza a idéia de objetividade e a coloca, portanto, em discussão.
Naturalmente, essa preocupação com os termos, além de representar, em certa
medida, o avanço intelectual de Weber é, na verdade, uma tentativa – aparentemente
exitosa e plausível , no entanto, cheia de falhas e lacunas
teóricometodológicos – de abnegar à ingenuidade e malogro de outros autores (especialmente
Durkheim) que defenderam a isenção de valores, mas, ao mesmo tempo, Weber pretende
justificar, no campo teórico, a possibilidade da neutralidade axiológica.
Destarte, o que percebemos em Weber é, em suma, uma
nova abordagem (metodológica e empírica) da neutralidade tentando
distanciar-se, por sua vez, de um tratamento mais convencional e acrítico.
Segundo a perspectiva weberiana, o procedimento
científico deve ser realizado com objetivo de apreender a realidade concreta,
mas, antes de tudo isso, é necessário que o cientista da cultura mantenha uma
neutralidade científica para desviar-se das ideias e valores humanos que, no
processo de investigação, apareceram como um prato convidativo cheio de
iguarias. No entanto, diante dos pressupostos de Weber e a busca de um
conhecimento axiologicamente neutro, cabe perguntar se, de fato, é possível isentar-se
dos valores construídos socialmente e, a partir disso, produzir um conhecimento
genuíno, livre de quaisquer ideologias? Nas palavras de Barros (2011),“como
produzir um conhecimento objetivo, se desde já a própria escolha do seu objeto
de estudo o pesquisador (...) atravessado por subjetividades ? (...)”( BARROS, 2011,
p.146).
Com o objetivo de explicar suas ideias a respeito da
neutralidade axiológica, em termos práticos, Weber propõe a separação rigorosa
entre juízo de fato (o que é) e juízo de valor (o que deve ser). A partir da
tensão e o contato desses elementos, pode-se, categoricamente, rastrear o
epicentro da teoria de Weber: o conhecimento objetivo (juízo de fato) e, em
contraposição, o conhecimento valorativo (juízo de valor) .
Conforme o próprio nome, o juízo de valor é, para
Weber, às crenças pessoais, sentimentos, enfim, todos os elementos subjetivos
que não podem oferecer, cientificamente, um conhecimento coerente “Juízos de
valor não deveriam ser extraídos de maneira nenhuma da análise científica,
devido ao fato de derivarem (...) de determinados ideais, e de por isso terem
origens ‘subjetivas’” (WEBER, 2006, p. 109).
Nesse sentido, percebemos que a preocupação de Weber
reside, por assim dizer, em justificar que o juízo de valor não é, em hipótese
alguma, confiável para um conhecimento objetivo ou, em certo sentido, não
acrescenta nada ao indivíduo preocupado em entender, de modo científico, à
realidade. Em outras palavras, o conhecimento guiado por valores pessoais não
contribuiu, como também esconde, em sua análise, alguns elementos da realidade.
Como conseqüência, o juízo de valor é responsável por camuflar e, ao mesmo tempo,
restringir o campo de análise. Para Weber não cumpre o papel da ciência, pois,
“(...) uma das tarefas essenciais de qualquer ciência da vida cultural dos
homens é (...) a apresentação clara e transparente de suas idéias, para
compreendê-las e para saber o porquê de se ter lutado por elas” (WEBER, 2006,
p. 110).
De maneira sistemática e, talvez forçosamente,
Weber, a sua maneira, mostranos que fazer ciência não implica abandonar (total,
aliás) o juízo de valor, ou seja, o juízo está presente desde o começo da
pesquisa e perpassa, basicamente, os elementos a priori da investigação
científica ( Weber, 2005). Após esses primeiros passos, como a delimitação do
tema de pesquisa, as fontes e métodos são, portanto, escolhidos pelo cientista
da cultura e obedecem, obviamente, suas predileções individuais. Mas como alcançar
a neutralidade científica se desde o primeiro momento os valores cercam o pesquisador
como uma muralha intransponível? De fato, a neutralidade científica deve ser
estabelecida na hora de reflexão e análise dos dados escolhidos, ou seja,
Considera-se praticamente impossível negar que uma
investigação empírica esteja isenta dos fatores históricos, mas deve ser da
responsabilidade do homem de ciência ter o compromisso, como pretendia Weber,
de chegar a uma determinação objetiva (...) tem como ponto de partida a
subjetividade (...) (FONSECA, 19997, p.27).
Em seus argumentos Weber defende a neutralidade
axiológica afirmando, quase sempre, que o abandono dos valores pessoais é
factível no âmbito científico. Em geral, seus argumentos giram em torno da
ideia que cientista da cultura, utilizando-se, por sua vez, da interpretação é
um atribuidor de significados. Destarte, sua própria condição é perpassada por
valores culturais. De acordo comas palavras peremptórias de Weber (2006),Anais
do III Simpósio Nacional de História da UEG / Iporá – Goiás / Agosto/2013 | 393.
Não existe nenhuma análise cientifica puramente
objetiva da vida cultural, ou – o que pode significar algo mais ilimitado, mas
seguramente não essencialmente diverso, para nossos propósitos – dos fenômenos
sociais, que seja independente de determinadas perspectivas especiais e
parciais, graças às quais essas manifestações possam ser, explicita e
implicitamente, consciente ou inconscientemente, selecionadas, analisadas e
organizadas na exposição, como objetivos de pesquisa (WEBER, 2006, p.43)5.
As perguntas da investigação são, verdadeiramente,
oriundas da perspectiva do pesquisador, mas, as resposta devem constituir-se
livres de julgamentos ideológicos. Para Weber, cabe ao pesquisador refrear, no
processo de análise de dados, os julgamentos valorativos e, por conseguinte,
elaborar um conhecimento objetivo. Segundo Cohn (2006),
O conhecimento científico é objetivo nos resultados
(que valem igualmente para todos os que o procuram), mas não na gênese, pois a
força motriz da pesquisa é dada por valores (que valem somente para os que
aderem as eles). Isso equivale a dizer que sem referencias a valores não se
pratica ciência (pois então ela carece de interesse), mas, se o cientista não
souber despojar-se dos valores que o guiaram na seleção de seu objeto de estudo
ao realizar a pesquisa, cometerá um erro, da perspectiva weberiana: o de
apresentar como conhecimento cientifico com valor universal aquilo que não
passa de reiteração em outros termos dos interesses práticos particulares aos
quais ele adere (COHN, 2006, p.11-12).
Para chegar à neutralidade axiológica Weber utiliza
um recurso metodológico: os tipos ideais. De formar resumida, os tipos ideais
representam, basicamente, a construção teórica de causas irreais para se chegar
a causas prontamente reais. A partir desse procedimento, os tipos ideais, é
possível detectar, no plano erigido pelo cientista, o que é e, do mesmo modo, o
que não deve ser. Para Fonseca (1997),
Weber viu na construção dos tipos ideais um meio do
cientista de despir de seu juízo de valor, de excluir toda avaliação. Só
mediante fórmulas conceituais típico-ideais é que é possível se chegar a
compreensão e explicação da natureza do objeto de estudo, sem a interferência
das avaliações, das falsas premissas, da subjetividade (FONSECA, 1997, p.32).
Desse modo, os tipos ideais são um recurso
metodológico em que o cientista utiliza-o, mas que, de início é somente um
modelo abstrato. Não constitui, de maneira alguma, uma etapa final do processo
de investigação, mas apenas um meio. Nas palavras de Weber,
Obtém um tipo ideal mediante a acentuação unilateral
de um ou vários pontos de vista, e mediante o encadeamento de grande quantidade
de fenômenos isoladamente dados, difusos e concretos, que se podem dar em maior
ou menor número ou mesmo faltar por completo e que se ordenam segundo os pontos
de vista unilateralmente acentuados, a fim de se formar um quadro homogêneo de pensamento
(WEBER, 2006, p.106).
No tocante à neutralidade axiológica, os tipos
ideais, são considerados para Weber uma ferramenta útil. Não representam a
realidade, mas apenas indícios da mesma e podem ser utilizado pelos cientistas
sociais. A partir desse procedimento, segundo Weber, é possível flexibilizar a
pesquisa científica e alcançar, de forma cognoscível, um conhecimento objetivo.
No entanto, ao centrar sua atenção na elaboração de
um conhecimento neutro e objetivo, infelizmente, Weber não percebeu que a
fragmentação da realidade e, por conseguinte, o caráter independente do
conhecimento é, aliás, uma ilusão ideológica criada pela modernidade. Weber
caminha por caminhos dúbios: embora ratifique a impossibilidade de um
conhecimento puramente neutro, esquece de levar em consideração o caráter
histórico e social do conhecimento – não somente do conhecimento, mas, acima de
tudo, o valor (e, portanto, axiológico) que a burguesia instaurou como supremo,
ou seja, a troca de mercadorias em detrimento do uso. A resposta (e, portanto,
a solução) que Weber desenvolveu para a problemática da neutralidade axiológica
e o conhecimento objetivo é, no entanto, formal e reduz-se demasiadamente ao
campo conceitual e epistemológico,
Ela não aparece como uma admoestação contra a tomada
de posição do historiador, mas se limita à esfera conceitual. Ao defender o uso
de conceitos generalizantes também nas ciências históricas (por intermédio dos
tipos ideais) Weber adverte que tais tipos não são um “ideal” a ser perseguido,
mas ficções úteis, “utopias” cuja única finalidade é permitir a análise
racional de uma realidade que é “infinita” e, por princípio, inatingível na sua
concretude fática. Weber conhecia suficientemente bem os debates teóricos que
se desenvolviam no campo das ciências jurídicas e da teologia, e se afastava de
ambas as disciplinas precisamente neste ponto. De certa forma, o tipo ideal
weberiano pode ser considerado um conceito jurídico “desnormativizado”, um
conceito teológico secularizado (MATA, 2010, p. 266-267).
Do ponto de visa marxista a neutralidade axiológica
é possível? Ao criticar os valores modernos e sistematizar, no âmbito da teoria
marxista, o caráter ideológico derivado, em grande parte, da concepção burguesa
do conhecimento, Viana (2007) esclarece que,
Vivemos num mundo valorativo, que é o mundo humano,
e somente numa fantasiosa ideologia da neutralidade científica ou autonomia da
arte é que se poderia pensar em estar “livres de valores”. O ser humano é um
ser valorativo (...). Existem valores universais e valores particulares,
autênticos e inautênticos. Logo, os valores não são equivalentes e por isso
podemos e devemos optar por determinados valores em detrimento de outros
(VIANA, 2007, p.12).
A partir dessas constatações, portanto, considera-se
que vivemos num mundo permeado por valores axiológicos, mas acima de tudo, e
como demonstra Viana (2007) em sua análise, os valores são constituídos de modo
social e, por consequência, historicamente. Esses valores, universais ou não,
manifestam-se em todas as esferas da vida, desde a arte até a política.
Obviamente, as ideias dominantes, tal como definiu Karl Marx e Engels em A
Ideologia Alemã, não representam a essência humana, ao contrário, são produtos
da falsa consciência sistematizada e produzida em cada época pela classe
dominante e classes auxiliares, como a burocracia e, não raro, os intelectuais.
Para tanto,
A produção de idéias, de representações e da
consciência está em primeiro lugar direta e intimamente ligada à atividade
material e ao comércio material dos homens; é a linguagem da vida real. As
representações, o pensamento, o comércio intelectual dos homens surge aqui como
emanação direta do seu comportamento material. O mesmo acontece com a produção
intelectual quando esta se apresenta na linguagem das leis, política, moral,
religião, metafísica, etc., de um povo. São os homens que produzem as suas representações,
as suas idéias, etc., mas os homens reais, atuantes e tais como foram
condicionados por um determinado desenvolvimento das suas forças produtivas e
do modo de relações que lhe corresponde, incluindo até as formas mais amplas
que estas possam tomar. A consciência nunca pode ser mais do que o ser
consciente e o ser dos homens é o seu processo da vida real. E se em toda a
ideologia os homens e as suas relações nos surgem invertidos, tal como acontece
numa câmera obscura, isto é apenas o resultado do seu processo de vida
histórico (...)Isto significa que não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam
e pensam nem daquilo que são nas palavras, no pensamento na imaginação e na
representação de outrem para chegar aos homens em carne e osso; parte-se dos
homens, da sua atividade real(MARX; ENGELS,1983, p. 6-7).
A produção intelectual, de acordo com a perspectiva
apresentada por Marx, é oriunda do próprio homem. Quer dizer, não surge de
fantasias e abstrações metafísicas, ao contrário, tem origem no próprio
indivíduo que elaborou-a e, por isso, é construída (e legitimada) socialmente.
O fundamental, nesse contexto, é verificar que todos os valores produzidos pelo
ser humano, desde a esfera artística até a política, são dotados de significado/influência
na medida em que, o próprio indivíduo e/ou a sociedade, atribui valor. Em
outras palavras, os valores são atributos sociais e, por conseguinte, não podemos
considerá-los como naturais, ou seja, os valores não nascem originalmente com
os objetos. Os valores são produzidos pelo homem e, para tanto, significa dizer
que um valor, sem dúvida, é fornecido pela sociedade que circunstancia-o. Um determinado
objeto, ou mesmo uma teoria científica, só adquire importância, quando o homem
lhe atribui seu valor. Desse modo, considera-se que
(...) que os valores não são atributos próprio dos
seres e, ao mesmo tempo, que não são “subjetivos”. Não são dotados nem de
“objetividade” nem de “subjetividade”. Deixando de lado o caráter ideológico
destes termos, derivados da ideologia burguesa do conhecimento, podemos dizer
que o valor de uma obra de arte, de uma ação heróica ou de uma frase, não se
encontra neles e sim naquele que atribui tal valor: o ser humano (VIANA, 2007,
p.23).
Com base nessas constatações, a neutralidade
axiológica, mesmo com procedimentos e implicações próprias, é fruto de visões
ideológicas que tentam, por sua vez, falsificar a realidade ou mesmo criar
condições (embora convidativa e com um caráter nomeadamente científico) para
uma tarefa, de fato, impossível no âmbito intelectual e social. Nesse sentido,
a figura de Weber é central, uma vez que, tentando superar as limitações da
neutralidade axiológica de sua época pretendeu, com suas formulações e estudos,
atingir um nível mais elaborado do conhecimento objetivo (é claro, livre de
valores, porém, no final, sem êxito). A partir de seu caráter biográfico – e, ao
mesmo tempo, teórico – percebemos a incompatibilidade de suas ideias e a
ausência de exequibilidade em seu projeto axiológico, além disso, “(...) há
razões para crer que a doutrina dos valores de Max Weber não foi seguida de
forma conseqüente nem mesmo por Max Weber”. (MATA 2010, p.271).
De forma sucinta, ao analisar as implicações em
torno da neutralidade axiológica em Max Weber, evidentemente, muitas questões
saltam aos nossos olhos e mostram-se altamente pertinentes. É inconteste a
contribuição de Weber para as ciências da cultura, igualmente, é difícil escamotear
que, o processo de investigação científica, é carregado por valores subjetivos.
No entanto, a busca pela clássica objetiva não exclui, de maneira absoluta, por
assim dizer, sua amiga: a subjetividade. Ao contrário, é no contato (e na
fronteira) entre esses dois elementos que surgem, efetivamente, o caráter ideológico
do conhecimento científico na sociedade capitalista. Assim, o projeto de neutralidade
axiológica em Weber, como pode-se averiguar, não passa de uma formulação
puramente conceitual ou, em outras palavras, não consegue sair do terreno epistemológico.
Desse modo, o legado weberiano, assim como suas principais ideias, precisa, nos
dias atuais, de uma reavaliação.
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